quinta-feira, 28 de junho de 2012

“NÃO SE PODE VIVER SEM LIVROS”

A propósito da atividade “Convidámos… À conversa com.”, desenvolvida no âmbito do projeto “Ler, Lazer e aprender”, desta vez sugerimos a leitura do testemunho de um dos encarregados de educação, João Carlos Ferreira, que, no dia 19 de abril, numa aula de Língua Portuguesa falou com os alunos do 8ºA sobre da sua relação com os livros e a leitura ( artigo publicado no n.º 3 do Dinotícias (junho / 2012).


O que faz um profissional de saúde atravessar o portão da escola e dirigir-se a uma aula, de forma livre e consciente, e ademais sabendo que o aguarda uma sala repleta de jovens, irrequietos e exigentes alunos?
Esta questão, que coloquei a mim próprio diversas vezes e com maior assiduidade à medida que se aproximava a hora da verdade, ficou muitas vezes sem resposta, embora no íntimo a soubesse desde sempre: a paixão pelos livros! 
E embora estejam os poetas cansados de me avisar que a paixão pode levar à felicidade mas também a actos tresloucados que a toldada razão não consegue refrear, não resisti ao estimulante desafio. Assim, e especificando melhor, no âmbito do programa “Ler, lazer e aprender” da Prof.ª Rosalina Nunes, fui convidado para falar sobre livros aos alunos do 8º ano (Turma A) da Escola Dr. João das Regras.
E assim começou esta aventura…
Se a resposta ao desafio foi imediata, afinal nenhum outro assunto alheio à minha área profissional me levaria a apresentar uma exposição do género, as dificuldades começaram no instante seguinte. Falar sobre que livros? Falar sobre escritores? Ou apenas sobre leitura? A única certeza era a de que não se pretenderia qualquer programa de sugestão de leituras ou de determinadas obras.

Alguns dias a matutar, meio desconsolado pela indecisão, e a resposta estava ali mesmo, era óbvia: tinha que falar de mim, do modo como os livros nunca me abandonaram na conturbada fase da adolescência, como me ajudaram na passagem insegura para a vida adulta, no efeito que tiveram na construção da minha personalidade, e como me ajudaram a entender e a encarar o mundo e os outros, mas acima de tudo como ajudaram a entender-me a mim próprio, e de uma forma tão arrebatadora que nunca mais me separei deles! Afinal, se falasse de mim, falava de livros, dos meus livros, e de como, sem eles, nem eu hoje seria o mesmo, nem a vida seria assim, nem o mundo seria igual…
Tudo seria pior…
E eu seria menos feliz…

Bom, nesta fase já tinha uma ideia, mas pensei “ estás a levantar muitas expectativas, estás febril e entusiasmado, mas sabes bem que é impossível atingir esses objetivos numa simples conversa, porque é disso que se trata, de uma simples conversa!” “E com jovens de 14 anos, não te esqueças”, alguém me lembrou.”

Entretanto, o tempo escoava e tinha de me decidir, portanto, mãos à obra, falemos então de livros, ou antes, de mim e dos livros, correndo o risco de não conseguir passar toda a mensagem mas confortava-me a ideia que assimilei com a leitura: vale sempre a pena, porque se resta sempre algo por dizer ou demonstrar também se ganha sempre muita coisa… Afinal, à semelhança dos livros, em que nenhum é tão mau assim que não possa ser útil sob algum aspecto, (como dizia Plínio), também da palestra mais desastrada será certamente possível retirar algo de positivo, ou não?

Voltando às dificuldades, comecemos pelo título… Algumas ideias, nenhuma sobreviveu mais de duas horas, fosse devido à extensão, (“Eu, os meus livros, os outros e o mundo”), ou por levantar muitas expectativas (“As minhas aventuras com os livros”) ou até por parecer presunçoso demais (“Nós somos os livros que lemos”).  Até que, fatalmente, seria com a ajuda de um dos meus livros teria a ideia “perfeita”; rodopiava observando os meus livros, tranquilos nas suas estantes, quando um deles me captou o olhar. Comunicamos mentalmente um pouco, ele relembrou-me o seu autor, as suas desventuras e a beleza das suas palavras, fez-me viajar no tempo e sentir novamente a magia da sua leitura, e definitivamente pensei que se a leitura é paixão, porque não transformar “non se puede vivir sin amar”, a máxima de vida de Malcolm Lowry e do seu cônsul inglês no México, no título desta singela dissertação?
                      
Assim ficou.
João Carlos Ferreira
2012

(Este texto, para quem estranhar, foi escrito em português ancestral, porque sou convictamente objector de consciência em relação a acordos ortográficos)

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