“NÃO SE PODE VIVER SEM LIVROS”
A propósito da atividade “Convidámos… À conversa com.”, desenvolvida no âmbito do projeto “Ler, Lazer e aprender”, desta vez
sugerimos a leitura do testemunho de um dos encarregados de educação, João
Carlos Ferreira, que, no dia 19 de abril, numa aula de Língua Portuguesa falou
com os alunos do 8ºA sobre da sua relação com os livros e a leitura ( artigo publicado no n.º 3 do Dinotícias (junho / 2012).
O que
faz um profissional de saúde atravessar o portão da escola e dirigir-se a uma
aula, de forma livre e consciente, e ademais sabendo que o aguarda uma sala
repleta de jovens, irrequietos e exigentes alunos?
Esta
questão, que coloquei a mim próprio diversas vezes e com maior assiduidade à
medida que se aproximava a hora da verdade, ficou muitas vezes sem resposta,
embora no íntimo a soubesse desde sempre: a paixão pelos livros!
E
embora estejam os poetas cansados de me avisar que a paixão pode levar à
felicidade mas também a actos tresloucados que a toldada razão não consegue
refrear, não resisti ao estimulante desafio. Assim, e especificando melhor, no
âmbito do programa “Ler, lazer e aprender” da Prof.ª Rosalina Nunes, fui
convidado para falar sobre livros aos alunos do 8º ano (Turma A) da Escola Dr.
João das Regras.
E assim
começou esta aventura…
Se a
resposta ao desafio foi imediata, afinal nenhum outro assunto alheio à minha
área profissional me levaria a apresentar uma exposição do género, as
dificuldades começaram no instante seguinte. Falar sobre que livros? Falar
sobre escritores? Ou apenas sobre leitura? A única certeza era a de que não se
pretenderia qualquer programa de sugestão de leituras ou de determinadas obras.
Alguns
dias a matutar, meio desconsolado pela indecisão, e a resposta estava ali
mesmo, era óbvia: tinha que falar de mim, do modo como os livros nunca me
abandonaram na conturbada fase da adolescência, como me ajudaram na passagem
insegura para a vida adulta, no efeito que tiveram na construção da minha
personalidade, e como me ajudaram a entender e a encarar o mundo e os outros,
mas acima de tudo como ajudaram a entender-me a mim próprio, e de uma forma tão
arrebatadora que nunca mais me separei deles! Afinal, se falasse de mim, falava
de livros, dos meus livros, e de como, sem eles, nem eu hoje seria o mesmo, nem
a vida seria assim, nem o mundo seria igual…
Tudo
seria pior…
E eu
seria menos feliz…
Bom,
nesta fase já tinha uma ideia, mas pensei “ estás a levantar muitas
expectativas, estás febril e entusiasmado, mas sabes bem que é impossível
atingir esses objetivos numa simples conversa, porque é disso que se trata, de
uma simples conversa!” “E com jovens de 14 anos, não te esqueças”, alguém me
lembrou.”
Entretanto,
o tempo escoava e tinha de me decidir, portanto, mãos à obra, falemos então de
livros, ou antes, de mim e dos livros, correndo o risco de não conseguir passar
toda a mensagem mas confortava-me a ideia que assimilei com a leitura: vale
sempre a pena, porque se resta sempre algo por dizer ou demonstrar também se
ganha sempre muita coisa… Afinal, à semelhança dos livros, em que nenhum é tão
mau assim que não possa ser útil sob algum aspecto, (como dizia Plínio), também
da palestra mais desastrada será certamente possível retirar algo de positivo,
ou não?
Voltando
às dificuldades, comecemos pelo título… Algumas ideias, nenhuma sobreviveu mais
de duas horas, fosse devido à extensão, (“Eu, os meus livros, os outros e o
mundo”), ou por levantar muitas expectativas (“As minhas aventuras com os
livros”) ou até por parecer presunçoso demais (“Nós somos os livros que
lemos”). Até que, fatalmente, seria com
a ajuda de um dos meus livros teria a ideia “perfeita”; rodopiava observando os
meus livros, tranquilos nas suas estantes, quando um deles me captou o olhar.
Comunicamos mentalmente um pouco, ele relembrou-me o seu autor, as suas desventuras
e a beleza das suas palavras, fez-me viajar no tempo e sentir novamente a magia
da sua leitura, e definitivamente pensei que se a leitura é paixão, porque não
transformar “non se puede vivir sin amar”, a máxima de vida de Malcolm Lowry e
do seu cônsul inglês no México, no título desta singela dissertação?
Assim
ficou.
João
Carlos Ferreira
2012
(Este
texto, para quem estranhar, foi escrito em português ancestral, porque sou
convictamente objector de consciência em relação a acordos ortográficos)
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